04 outubro 2005

O estranho caso da Eurominas

O PÚBLICO de 23 de Setembro, último, trazia, com chamada na primeira página, um excelente trabalho de investigação jornalística da autoria de José António Cerejo, denunciando o estranho caso de uma indevida indemnização no montante de Esc. 2.384.000$00, quase € 12.000.000,00 (sim, leram bem, doze milhões de euros), concedida pelo Governo de António Guterres a uma empresa que a ela não tinha qualquer direito.

O caso resume-se assim, com a devida vénia ao PÚBLICO e a José António Cerejo:

Em 1973, o Governo de Marcelo Caetano decretou a desafectação de terrenos do domínio público marítimo, em Setúbal, destinados à construção pela Eurominas de uma fábrica para produção de ligas de manganês. Dois anos depois a Eurominas inicia a actividade, beneficiando de um contrato de fornecimento de energia válido por dez anos, a preços muito favoráveis, apoiados pelo Estado.

Em 1984, terminado o período contratual, a EDP passa a facturar a preços de mercado. A Eurominas não paga e a EDP acabará por suspender o fornecimento em 1986. Em consequência, a Eurominas cessa a actividade que justificara a desafectação da área pertencente ao domínio público.

O decreto de 1973 que concedera os terrenos públicos para a construção da fábrica, previa expressamente que em caso de cessação de actividade, toda a área cedida regressaria à posse do Estado, bem como as obras e benfeitorias realizadas. Nesta conformidade, o Governo de Cavaco Silva decreta, em Maio de 1995, a reversão dos terrenos para o domínio público, com perda das obras e benfeitorias realizadas e sem direito a qualquer indemnização.

Entretanto, ainda nesse ano, a Eurominas inicia duas acções judiciais. Uma pedindo a suspensão da eficácia, a outra a anulação do decreto de reversão. Relativamente à primeira é derrotada em todas as instâncias e a segunda nunca chegou a ser julgada, pelos motivos que se verão mais adiante.

Em Outubro do mesmo ano, depois da tomada de posse do Governo de Guterres, a Eurominas inicia contactos com o ministro António Vitorino tentando um acordo extrajudicial que anule a reversão sem indemnização. Nos dois anos seguintes prosseguem as negociações, não só com o gabinete de Vitorino, mas também com o secretário de Estado José Lamego.

Em finais de 1997, António Vitorino, José Lamego e Alberto Costa saem do Governo e vão trabalhar juntos numa sociedade de advogados que constituiram.

Em Abril de 1998, a Eurominas e o Estado assinam um protocolo em que o Estado se compromete a indemnizar a empresa para que esta abandone os terrenos (que de facto não lhe pertenciam). Dois meses depois reúne-se pela primeira vez o grupo de trabalho que vai decidir qual o valor da indemnização a pagar pelo Estado. Como representante da Eurominas senta-se à mesa das negociações o anterior secretário de Estado, José Lamego. Em Dezembro de 1999, o grupo de trabalho cessa funções depois de os representantes do Estado terem recusado, por unanimidade, o montante indemnizatório proposto pelo juiz que presidiu à negociação (juiz que era tio do então chefe de gabinete de Guterres).

Em Março de 2000, a Eurominas, representada pelo escritório de advogados de José Lamego, António Vitorino e Alberto Costa, retoma os contactos com o Governo, representado pelo secretário de Estado Narciso Miranda, propondo-se aceitar a indemnização proposta pelo juiz.

Em Maio de 2001 é assinado o protocolo entre o Estado, representado por José Junqueiro, secretário de Estado, e a Eurominas que fixa a indemnização acima referida.

O que fica escrito, apesar de algo extenso, é apenas um breve resumo do excelente e corajoso trabalho do jornalista, que vale a pena ler na íntegra.

Apenas me refiro a ele agora porque sempre esperei que outros pegassem no assunto. Estranhamente caiu um manto de silêncio sobre o caso. Nem outros órgãos de comunicação, nem partidos políticos a ele se referiram. Ninguém!

Percebo que o PSD, ou mesmo o CDS se calassem. Afinal, não valia a pena atearo fogo que poderia queimá-los. Mas o PCP e o BE silenciaram o tema por quê? Que raro pudor os trava?

Responda quem souber.

P.S. – Talvez este seja um dos caminhos para ajudar a perceber as sucessivas recusas de Vitorino em aceitar cargos políticos relevantes.

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