Onde vais rio que eu canto?
Esta
manhã ouvi, na Antena 1, David Ferreira “a contar” (é assim que
se chama a “rubrica” em que intervem no programa) uma polémica
relativa ao Festival RTP da Canção de 1970.
E
qual foi o motivo dessa polémica? Exactamente o mesmo que motivou
outras polémicas, quer nos festivais anteriores, quer nos
posteriores a 1970.
Era
um tempo em que Portugal parava para assistir ao evento, discutindo
depois apaixonadamente a escolha que era feita por grupos de jurados
que, a partir das capitais de distrito, iam dando os seus votos às
diversas canções concorrentes. Não é por acaso que escrevo
“canções concorrentes”, porque o que estava de facto a concurso
eram as canções e não os intérpretes.
Mas,
na verdade, ninguém era indiferente ao artista que interpretava a
canção: não era a mesma coisa ser a Simone ou uma desconhecida
“Maria dos Prazeres” (“artista” que inventei agora) a
intérprete da mesma canção. Independentemente da qualidade da
obra, teria sempre mais votos se cantada pela Simone, do que pela
“Prazeres”.
Aqui
chegado, volto ao Festival de 1970. No decorrer do Festival houve duas
canções que se destacaram: “Onde vais rio que eu canto?”, com
música de Nóbrega e Sousa e letra de Joaquim Pedro Gonçalves,
interpretada pelo Sérgio Borges, então no auge da sua carreira, e
“Canção de Madrugar”, letra de José Carlos Ary dos Santos e
música de Nuno Nazareth Fernandes, “cantada” pelo desconhecido
Hugo Maia Loureiro.
Canção de Madrugar
Escrevi
“cantada” entre aspas, talvez com alguma dose de crueldade,
porque Maia Loureiro “assassinou” uma das mais belas canções
que alguma vez concorreram a estes Festivais.
E
Sérgio Borges, com “Onde vais rio...” acabou por ganhar com 11
pontos de avanço, apurados no final de uma renhida disputa, onde se
viram as mais díspares votações de sempre, com capitais de
distrito a darem votações máximas (ou próximas disso) ora a uma, ora a outra.
Quem
não aceitava a decisão final, atinha-se ao facto de o Festival ser,
como já referi, de canções. E muitos diziam que se tivessem
trocado os intérpretes, colocando o Sérgio na “Canção de
Madrugar”, esta teria vencido com larga vantagem.
Também
eu, que gostava de ouvir o Sérgio, era então – e ainda sou –
dessa opinião.
Os
detractores da canção vencedora costumavam trocar a ordem das
palavras, e cantarolavam “Onde vais canto que eu rio?”.
Hoje
mais de 43 anos depois, é uma questão quase esquecida.
Creio
que Hugo Maia Loureiro começou e acabou ali a sua carreira. Pelo
menos passou despercebido a partir daí. Sérgio Borges – que um
ataque cardíaco levou há poucos anos – ainda continuou por algum
tempo, embora já sem o fulgor dos anos do “Conjunto Académico de
João Paulo”.
Cavalo à Solta
P.S.
- Não foi esta a única vez em que a “minha canção” não ganhou.
Também em 1971, “Cavalo à Solta”, cantado e musicado por
Fernando Tordo, com letra de Ary dos Santos, perdeu. Ainda hoje a
considero a melhor canção de sempre destes festivais; bem melhor do
que a “Tourada”, com que ganhou o Festival, em 1973.
P.P.S.
- Deixo-vos as três canções que mencionei no texto. Avaliem-nas