11 novembro 2013

Tavira - 11 de Novembro de 1963



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Esta fotografia foi tirada em Tavira, em Agosto de 1963, junto ao monumento que homenageia os mortos da I Grande Guerra. Eu tinha “assentado praça” no quartel daquela cidade algumas semanas antes, para frequentar o Curso de Sargentos Milicianos.

Durante os cinco meses e meio de duração do Curso, vinha a casa duas vezes por mês. Nesse fim de semana, calhava não vir e, estando o meu pai de férias, a família resolveu viajar até ao Algarve para me fazer uma visita, aproveitando para conhecer a região.

Na foto o meu rosto está um tanto fechado, e eu tinha uma boa razão para isso: a visita calhou num fim de semana em que eu não me podia ausentar do quartel. Tinha ido dois dias antes à enfermaria por ter bolhas nos pés, provocadas pelas botas. O médico prescreveu o uso de sapatilhas, o que, automaticamente, me incluía na lista de “detidos e convalescentes”, com a consequente obrigação de permanecer no quartel durante cinco dias (*). 



A caserna da 3ª Companhia a que eu pertencia

(Foto recente)

Com a inconsciência que só as verduras da mocidade explicam, fui ter com um dos meus camaradas mais chegados – o Vítor Nogueira, um casapiano que pertencia ao meu restrito grupo de amigos – e expliquei-lhe que, tendo os meus pais na cidade, ia sair e passar a tarde com eles. Por isso, pedia-lhe que, se o oficial de dia mandasse tocar a “detidos e convalescentes” – o que, sendo fim de semana, era praticamente certo, ele calçasse umas sapatilhas e se apresentasse no seu gabinete como se fosse eu.

Começou por me dizer que não, mas não fiz por menos e, de forma indecente, cobrei alguns favores que lhe tinha feito (que incluiam, entre outros, escrever, suprindo a sua preguiça, cartas em seu nome para a namorada, em maiúsculas para que ela não estranhasse a letra diferente) e lembrei-lhe que sendo o oficial de dia de outra Companhia, sabia lá, num universo de 900 instruendos, quem era o 996 (eu) ou o 993 (ele, Vítor). E, embora muito contrariado, lá acedeu.

Ainda assim não passei uma tarde muito tranquila, e é claro que só muito mais tarde é que contei o episódio aos meus pais. Que por acaso não acharam tanta graça como o meu avô paterno, que “se pelava” pelos meus atrevimentos. Os que eu tinha realmente, e os que terceiros (normalmente alfarelenses meus “amigos”) inventavam.

 O "meu" pelotão. O Vítor Nogueira está identificado com o nº 7

De regresso ao quartel, o Vítor Nogueira ainda não tinha recuperado do susto. Como previsto, tinha havido o toque de chamada, e o pobre rapaz lá foi, com a morte na alma, e, como me contou, com as palmas das mão suando abundantemente, apresentar-se como se fosse eu.


Também como era esperado, o oficial deu baixa na lista, e nem deve ter olhado bem para ele. Mas, mesmo que olhasse, não fazia a menor ideia de que estava a ser enrolado.


Imagem actual do Monumento, em frente à Câmara Municipal de Tavira, na Praça da República. 

Com as modernizações de que foi objecto, a praça tem, hoje,  um aspecto totalmente diferente

Decidi escrever esta “história” porque, faz hoje precisamente 50 anos, fui seleccionado para fazer parte de um força que, junto ao monumento, e em comemoração da data em que formalmente terminaram as hostilidades – na 11ª hora, do 11º dia, do 11º mês do ano de 1918 - prestou honras militares aos que, durante a Guerra, cairam em defesa da Pátria.

No meu caso pessoal, evoquei também o meu avô, que tendo regressado vivo e são daquele conflito, era e continua sendo, um homem de quem sempre me orgulhei.

Quando foi a minha vez de regressar de outra guerra, foi a vez dele, à minha espera no cais da Rocha, me abraçar dizendo-me do orgulho que sentia por me ter como neto.

Este texto é também para ele, que partiu para sempre em 1969, deixando-me a memória de um homem insubstituível, e uma perene saudade.


(*) Esta espécie de “quarentena” foi imposta pouco depois do início do Curso, para evitar abusos, porque muitos instruendos declaravam-se doentes, apenas para irem à consulta, furtando-se assim aos duros exercícios matinais.

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