O texto que transcrevo a seguir, parcialmente, é da autoria de Nuno Saraiva, subdirector do Diário de Notícias. Resolvi publicá-lo por me parecer constituir uma análise pertinente e reveladora do modo como uma boa parte do povo português foi enganada.
É também um
retrato fiel dos dirigentes políticos do chamado arco governamental a que “temos direito” (provavelmente se os outros se juntassem a esse arco, seriam iguais;
não tenho ilusões a esse respeito).
Prometem bacalhau a pataco, mentindo com quantos dentes têm na boca
– mesmo que branqueados por dentistas na berra – para obterem um
lugar no poleiro.
Os sublinhados a negrito são de minha autoria.
“"Pedro
Passos Coelho confessou, esta semana, em entrevista televisiva,
que o fracasso das previsões macroeconómicas
do Governo ficou a dever-se, entre outras coisas, a uma "surpresa
orçamental". Assim
uma espécie de "ovo Kinder" das contas públicas.
Longe
vão os tempos em que o então candidato a primeiro-ministro
afirmava: "Espero nunca dizer ao País,
ingenuamente, que não conhecíamos a situação. Nós temos uma
noção de como as coisas estão."
Trata-se, apenas, de mais
uma demonstração de como o contrato de confiança estabelecido com
os eleitores nas últimas legislativas foi quebrado. Em junho de
2011, Passos Coelho conquistou, através do voto, a legitimidade para
governar.
Porém, e embora a
realidade mude e possa obrigar a correções e inflexões, aquilo a
que assistimos nos últimos 17 meses foi ao sucessivo dito por não
dito e a um rol impressionante de compromissos quebrados e promessas
falhadas.
Senão vejamos. A
1 de abril de 2011, garantia-se que "cortar
o décimo terceiro mês é um disparate".
Antes,
a 24 de março, prometia-se que "se vier a
ser necessário ainda algum ajustamento fiscal, a minha garantia é a
de que ele será canalizado para os impostos sobre o consumo e não
para os impostos sobre os rendimentos das pessoas". Já
em pré-campanha eleitoral, a 30 de abril do mesmo ano, a proclamação
era de que "posso garantir-vos que não será
necessário em Portugal cortar mais salários nem despedir gente para
poder cumprir um programa de saneamento financeiro no Estado".
A 10 de maio, e respondendo a uma acusação direta do então
primeiro-ministro, Passos Coelho assegurava que era
"absolutamente falso" que quisesse acabar com o IVA
intermédio para a restauração. Do mesmo mês sobra
ainda o compromisso de que "a carga fiscal que está
definida é mais do que necessária e não precisamos de ir mais
longe". E, já em campanha, afirmava-se de forma solene:
"Não olhamos para as classes com rendimentos de mil e
poucos euros dizendo 'aqui estão os ricos de Portugal e eles que
paguem a crise'". E por aí adiante.
Sabemos todos o que
afinal foi feito. Entre um "enorme aumento de impostos" e
uma sobretaxa de 50% sobre o 13.º mês, houve de tudo: o IVA da
restauração passou para a taxa máxima, confiscaram-se os subsídios
de férias e de Natal à administração pública e aos pensionistas,
subiu-se brutalmente o IRS, cortou-se nos ordenados e despediram-se
trabalhadores do Estado.
(...)
Sabemos agora que,
afinal, havia uma agenda escondida. E que quando se fala de
"refundação" é do redesenho da arquitetura social do
Estado que se trata. E que "cortar nas gorduras" não era
apenas reduzir os consumos excessivos ou acabar com organismos
inúteis que servem apenas às clientelas partidárias. As
ditas "gorduras" eram, isso sim, a Saúde, a Educação e
as pensões da Segurança Social. E este é um mandato que o Governo
não tem porque nunca o quis discutir em campanha eleitoral.""
(…)
Nota: O autor da crónica segue o “Novo” Acordo Ortográfico. Na transcrição que faço
respeito, naturalmente, a sua opção.
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